A educação de Ciro – Prólogo

 

Refletimos um dia no grande número de estados populares que sucumbem ao poder dos partidos, no grande número dos partidos, no grande número de monarquias e oligarquias que sucumbem ao poder de partidos democráticos, e também no grande número de reis, que, tendo usurpado o cetro, foram uns imediatamente privados dele, outros, enquanto o empunharam, foram sempre objeto de admiração por sua sabedoria e felicidade. Igualmente notámos que entre os particulares, uns tinham muitos domésticos, outros tinham poucos, e que estes mesmos lhes não obedeciam. Ocorreu-nos enfim, que os boieiros. os eguariços e todos os pastores podem com razão ser considerados como régulos dos animais que estão debaixo da sua guarda. Embebidos nestes pensamentos, observámos que mais prontamente obedecem os animais a seus pastores, do que os homens a seus chefes. Os animais caminham por onde os conduzem, pastam nos campos a que os levam, não entram naqueles de onde os desviam, e consentem que tirem deles todo o proveito. Não consta que jamais houvesse entre eles alguma sedição, ou para não seguir a voz de seus pastores, ou para não consentir que deles se utilizassem. Pelo contrário, a ninguém são mais inclinados, do que aos que os governam e que deles se aproveitam. E que fazem os homens? Esses contra ninguém mais facilmente se levantam, do que contra aquele em quem reconhecem pretensões de governá-los. Portanto, deduzimos destas reflexões que mais facilidade tem o homem em governar os animais do que os próprios homens.

Mas depois que nos recordámos que existiu um persa chamado Ciro, que soube conservar sujeitos ao seu domínio muitos homens, muitas cidades, muitas nações, fomos obrigados a mudar de sentimentos, e a pensar que não é impossível nem difícil governar os homens, uma vez que para isso haja suficiente capacidade. De feito, víamos que de bom grado se sujeitavam ao domínio de Ciro, povos que viviam afastados de seu reino, distâncias de muitos dias e meses, povos que nunca o tinham visto, e povos que nem mesmo esperanças podiam ter de vê-lo: contudo obedeciam-lhe todos prontamente. Grandíssima vantagem levou este príncipe a todos os outros, que, ou ocuparam o trono de seus antepassados, ou o adquiriram por conquista. Os reis da Cítia, da Trácia, da Ilíria e de outras nações, apesar de seus numerosos súditos, nunca puderam alargar seus domínios, e contentavam-se com governar sua gente. Segundo se diz, ainda hoje há na Europa várias nações autônomas, governadas por príncipes independentes.

Sabendo que na Ásia havia nações autônomas, Ciro pôs-se em marcha com um pequeno exército de persas, dominou os medos e hircanos, que espontaneamente receberam o jugo, venceu a Síria, a Assíria, a Arábia, a Capadócia, ambas as Frígias, a Lídia, a Cária, a Fenícia, a Babilônia, a Bactriana, a Índia, a Cilícia, os sacas, paflagônios, megadinos, e outras muitas nações, que seria prolixo mencionar. Subjugou também as colônias gregas da Ásia, e, fazendo uma descida às regiões marítimas, meteu debaixo do seu império Chipre e o Egito. Todas estas nações falavam línguas diferentes entre si, e diferentes da do conquistador; e contudo penetrou Ciro tanto além com suas armas, e com o terror de seu nome, que a todos encheu de medo, nenhuma ousou sublevar-se. E de tal maneira soube captar o amor dos povos, que todos queriam viver sujeitos às suas leis. Finalmente, fez dependentes de seu império tão grande número de reinos, que é dificultoso percorrê-los, partindo da capital para qualquer dos pontos cardeais, para leste ou para oeste, para o norte ou para o sul. Indagaremos, pois, qual foi a origem deste varão extraordinário, qual sua índole, qual sua educação, que o fizeram tão superior na arte de governar. Narraremos o que dele ouvimos, e o que pudemos alcançar por investigação própria.

FONTE: Xenofonte, João Félix Pereira, 1956

Publicado por miguelramos

Miguel Luiz Ramos

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